Funerais realizam-se com segurança reforçada .Negrinho enterrou o boné na cabeça, correu o fecho até ao pescoço e saiu de casa. Matabala estava à porta do prédio à espera dele. Desceram juntos a rua e foram encontrando o resto da malta pelo caminho até chegar à capela mortuária da Igreja de Rio de Mouro, em Sintra. Vieram ontem despedir-se de Osvaldo - o miúdo que andou na escola e jogou à bola com eles, mas que aos 16 anos morreu com uma bala na cabeça durante uma rixa com um grupo do Cacém..O tiroteio junto à estação de Rio de Mouro, veio demarcar ainda mais as diferenças. "Não queremos nada com o Cacém", avisa o miúdo de 16 anos que se esconde por detrás de uma acunha. Não são rapazes para irem até lá abaixo "meterem-se com eles", mas também não vão ficar parados se os de lá de baixo aparecerem na "zona RDM [Rio de Mouro]". .E os amigos de Negrinho estão preparados para responder. Não será de certeza como da última vez, há "uns bons meses", quando apareceram "pr'aí uns 40", do Cacém, da Serra das Minas e das Mercês e "expulsaram-nos do nosso próprio bairro". Tudo por causa de um fio de ouro que desapareceu do pescoço de um deles num jogo de futebol. "Saíram da estação e começaram à pedrada", recorda Matabala. Só houve tempo para uma retirada estratégica..A "cena" só não acabou mal porque ninguém sacou da pistola: "Aqui só não tem arma quem não quer", conta o adolescente. Ou então porque ainda não conseguiu juntar "guito" suficiente: "Uma 6.35 mm é a mais barata mas não acerta ao longe", explica Negrinho. O melhor é uma 9 mm, mas chega a custar mais de 150 euros..Desde do tiroteio, no último domingo, que é mais difícil "haver merda" no bairro. A "bófia" cerrou fileira e sempre que encontra um bando parado numa esquina, "manda toda a gente circular", queixa-se Negrinho, que decide "acabar com a conversa" e entrar no velório do amigo..Mais abaixo e à mesmo hora, toca a sirene da Escola Secundária Gama Barros. Os miúdos saem das aulas atravessam a rua e entram na casa mortuária da Igreja do Cacém de Cima, onde decorreu ontem o velório de Francisco, o outro adolescente que morreu com um tiro no peito durante os confrontos com os miúdos da Rinchoa, em Rio de Mouro. Vão entrando, saindo e voltando à casa mortuária com os olhos vermelhos de choro. "Só viemos prestar o nosso respeito", diz Mário César..E depois vão voltar para casa ou então passar "um bocado de tempo" no "nosso canto". O "canto" é sempre o mesmo. Na "esquina 24" vão chegando os amigos dele, em grupos de três, de quatro ou de cinco até a meia dúzia de metros quadrados de relva, entrincheirada entre outra meia dúzia de torres de apartamentos, ficar a abarrotar de miúdos que se encostam nas paredes enquanto partilham o mesmo charro. A "esquina 24"é dos poucos lugares que dizem ter para passar o tempo: "Às vezes é complicado arranjar o que fazer. Aqui não tem Mac [Macdonald's], não há cinema ou uma mesa de bilhar."Mas nos últimos dias, nem na "esquina 24" conseguem ficar. "A gente pode estar quieta no nosso canto mas, se houver uma cena má, é aqui que a bófia vem. A cena pode até ter acontecido lá em cima, mas é sempre aqui que eles vêm."